quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Maternidade - O íman do fundamentalismo


Desde que me vi no papel de grávida, senti receio de me tornar numa daquelas mulheres que sempre gozei. Como não queria ousar subestimar o poder das hormonas, temi. Temi transformar-me na típica grávida, que não consegue parar de passar a mão na barriga, de empiná-la, de querer mostrá-la ao mundo, de a usar como bandeira para tudo o que é privilégio, desculpa ou regalia. Os meses foram passando e a minha mão passava na barriga apenas quando não havia público, quando éramos apenas nós. À excepção dos últimos três meses, em que fiz questão de reclamar sempre a minha prioridade, nunca usei a barriga como desculpa para nada. E juro que também nunca inventei desejos. 
Não fui muito de falar para a barriga, muito menos de cantar para ela - mas a Margarida fartou-se de me ouvir falar sem parar e, sobretudo, rir, rir muito. 
Sei que a Margarida não precisou das minhas constantes festas ou dos meus monólogos com a barriga para me sentir, para me conhecer. Nem eu precisava disso para me sentir mais mãe dela.

Depois de nos conhecermos cara a cara, aí sim, veio o real receio de me transformar em tantas coisas. De não conseguir ser a mãe que idealizava. De não ver mais nada. De não querer mais nada. De impor a minha pouca experiência. De não ouvir os outros. De ouvir demasiado os outros. De não ter a humildade de reconhecer as más escolhas. De não voltar a ser eu mesma, além da mãe da Margarida. De perder a sensatez. De me ir tornando, de mansinho, numa mãe fundamentalista. 
Medo de tantas coisas que me poderiam levar para bem longe de quem havia sido até então. Tinha medo que a maternidade me toldasse a visão e, pior, que eu nem sequer me apercebesse disso. 

Assim que se embarca nesta feliz loucura que é ter um filho, desenvolve-se uma espécie de íman que atrai tudo o que é conselho, comentário, opinião, dica, juízo de valor, sugestão, crítica - duvido que alguma grávida/recém-mãe/mãe consiga fugir a essa sina. As vozes insurgem-se, apontam o dedo, ditam as soluções e os inevitáveis desfechos, em caso de as ignorarmos. 
São vozes tão fundamentalistas que apontam más mães, aqui e ali. Elas existem, infelizmente. Mas nunca uma mãe será má mãe por ter agendado uma cesariana, por não amamentar, por praticar o cada-um-na-sua-cama-sleeping, por conseguir sair de casa sem o bebé de 15 dias. Concorde-se ou não. Pratique-se ou não.

E eu não tenho a menor paciência para isso. Não tenho e fico tão feliz por não ter! Garanto-vos que nunca me irão ouvir/ler a pregar sobre a forma como eu acho que devem educar ou cuidar dos vossos filhos. Ainda assim, e como a maternidade se torna muito mais fácil quando partilhada, sou muito mais rica (e melhor mãe, acredito), por ter com quem partilhar ideias, trocar opiniões, tirar dúvidas. Pessoas que sabem do que falam. Ou pessoas que possam estar tão à nora quanto eu. Não importa. Importa a intenção, a sensatez, a noção de onde começa a liberdade do outro, enquanto mãe/pai, a pessoa que terá sempre a última palavra. Uma escolha que merece todo o respeito, mesmo quando discordamos. 

Ao todo, conto apenas com 16 meses de experiência, como grávida e como mãe, mas sinto que se esgotou a minha paciência para ouvir/ler sobre como são péssimas mães as que optam por não amamentar ou como são umas fundamentalistas aquelas que sonham amamentar até aos 2 anos. Sobre as maravilhas do co-sleeping ou sobre o quão mimadas ficarão as criancinhas por dormirem na cama dos pais. Sobre a mãe demasiado apegada ao bebé, que nunca mais foi jantar fora com o marido e até se anulou profissionalmente ou sobre a outra que é demasiado desapegada, trabalha e tira uma noite por semana para namorar. Sobre a alimentação, sobre a creche, sobre o sono, sobre tudo e mais alguma coisa que não acrescenta rigorosamente nada. 

Naturalmente, tenho a minha opinião sobre cada uma dessas questões, questiono-me sobre algumas delas, sobre outras tenho certeza de que a minha convicção não irá mudar. Mas daí até achar que tenho o direito de impingir a minha visão a alguém, vai um longo caminho. Um caminho que quero ter sempre a sensatez de não ousar percorrer.

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