quinta-feira, 16 de outubro de 2014

263 dias



Foi esse o tempo que a Margarida levou a formar-se dentro de mim. Pétala a pétala. Foram precisos 263 dias para a formação de uma nova vida, de uma mãe, de um pai, de uma família. Agora, com algum afastamento, recordo esses nove meses com um sorriso ainda mais especial, uma espécie de 'eras tu!', que transforma toda a alucinante experiência que é o gerar um filho, num privilégio, porque, afinal, era ela, a nossa Margarida.

Duvido sempre daquelas pessoas que descrevem a gravidez como um período maravilhoso, mágico, de infinita (e inquestionável) felicidade. Duvido e, ao mesmo tempo, invejo - não vá às vezes ser verdade!
Para mim, não foi. No início, os receios e as preocupações toldaram-me a visão. Depois, sim, comecei a desfrutar da ideia, do momento, da perspectiva de uma nova vida, a três. Mas esse encantamento durava uns 10 minutos, para rapidamente ser atropelado por um sem fim de questões, como é típico de quem pensa demais.

Durante a gravidez, sabia que teria de ir do ponto A ao Z. Mas desconhecia as restantes letras que os separavam. Não me era sequer possível imaginar como seria, por exemplo, passar por um parto. A certa altura, comecei a acreditar que, com tanto que poderia correr mal, mais valia acreditar, com todas as forças, que tudo correria bem.

E correu. A Margarida esteve bem, durante toda a gravidez. Felizmente, nunca houve um único motivo de preocupação (à excepção daquele dia em que o raio da miúda não dava sinais de vida e me fez chorar de preocupação - até passar uma ambulância na rua e ela acordar!). Já eu, passei por alguns maus bocados. Os desconfortos, a partir do quinto mês, eram diários, constantes, crescentes! Lá para o oitavo mês, eu já só ansiava pelo fim. À ansiedade de querer conhecer a nossa Margarida, somou-se o desespero por querer voltar a sentir-me eu. Por me poder mover sem dores - um nervo ciático comprimido pelo útero, desde as 22 semanas, é coisa que não desejo a ninguém (nem mesmo às tais mulheres que descrevem a gravidez como algo maravilhoso, do princípio ao fim!).

Mas, sim, tudo correu bem. Tendo em conta que a gravidez foi toda passada com a convicção de se tratar de um meio para um fim, quando chegou, finalmente, o fim (que era, na verdade, o começo), às 39 semanas e 2 dias, a vontade era tanta que tudo se tornou fácil. Bem mais fácil e simples do que imaginava. Juntamente com o pai da Margarida, fomos descobrindo que depois do A vinha o B, que se seguiria o C... e assim sucessivamente até chegarmos ao tão temível Z - o parto! 

O parto foi um momento tão especial e íntimo, que sinto apenas vontade de relatá-lo à outra interveniente da história, que, a seu tempo, saberá como cá chegou. Naquela sala de partos, cada um fez o seu trabalho. Eu tive a força, a Margarida a vontade, e o pai as mãos e as palavras que eu precisava. Naquela sala de partos, cheia de gente, a certa altura, existia eu, a minha força e a voz do pai da Margarida. Apenas nós. E foi nesse momento que a Margarida se juntou ao 'nós', às nossas lágrimas, aos nossos corações acelerados. A memória de termos sido apenas nós, mesmo numa sala repleta de gente, é a que fala sempre mais alto, quando recordo aquele momento único. 

Foram 263 dias a prepararmo-nos para o resto das nossas vidas. E nada, absolutamente nada nos poderia ter preparado para o que viria, para o que é, para o que ainda está por vir. Agora sei que é precisamente aí que reside a grande magia de tudo isto. Sabemos apenas que somos e seremos os três, mesmo numa sala repleta de gente.

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